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O que é felicidade?

O que é felicidade? 
     "A felicidade tornou-se um mito. Todos a querem, mas quase ninguém está certo de possuí-la. Ela nunca é completa, nunca é total; estranho, não? Onde estaria, então, a felicidade?
     Na qualidade de mito, a felicidade mora junto de outros mitos de nosso tempo: a paixão avassaladora, o príncipe encantado ou o homem divino, a mulher linda e gostosa, a fama e a fortuna, o carro magnífico, o luxo, etc. etc. São mitos que atam-nos a um futuro idílico, de difícil concretização e, assim, sempre parece faltar alguma coisa. Nunca nos sentimos verdadeira e perenemente felizes, enquanto seguimos a rotina de trabalhar e consumir. Trabalhamos para consumir, na ilusão de que produtos e serviços vão nos fazer felizes, sendo melhor quando mais consumirmos. Assim, vendem-nos falsas esperanças e mesmo imagens: quem somos, quem seríamos, contrastando-nos com modelos que são, eles próprios, uma construção artificial e irreal, envoltos em seus próprios dilemas pessoais. 
Mas a felicidade não está ligada a qualquer produto ou situação; não está na viagem ao exterior, no emprego que eu não tenho, no prêmio de loteria que não ganhei (ainda!). Ao contrário do que nos insiste em dizer a publicidade, a felicidade não está condicionada a isto ou aquilo, não decorre de uma compra. É apenas um estado d’alma e somos nós que podemos condicioná-la. É singela e verdadeira, bem distante da imagem eufórica reiterada pelos anúncios: gargalhadas constantes, emoções fortes constantes, paixão constante (você será feliz com esta ou aquela bebida, numa viagem para tal ou qual lugar, usando esta ou aquela roupa, etc.). Uma ilusão de felicidade cega-nos os olhos e nos empurra para o consumo de produtos e serviços, como se ali estivesse o que procuramos. Não está.
     Assim, cada vez mais, padecemos de um certo vazio, com maior ou menos frequência. Chamem-no de tristeza, melancolia ou depressão, por vezes nos vemos sustidos por um fio de um abismo escuro, inseguros, insatisfeitos, sem perspectivas. Não se trata de um privilégio nefasto do princípio do novo Milênio, o terceiro, já que a angústia está presente em vários outros momentos da história, a exemplo do barroco, romantismo, simbolismo, existencialismo, etc.
     Talvez seja o próprio conceito de felicidade que precise ser remodelado e repensado. Talvez, se ele fosse menos mítico, menos hollywoodiano (esses embustes que são seguidos pelo The End), pudesse ser mais fácil de ser vivido. Será que não estamos apegados demais a essas referências míticas para sermos felizes? Felicidade não se confunde com fuga: o ser humano feliz não se teme ou se odeia: aceita-se como é, ainda que queira – e se esforce – por melhorar; respeita-se e procura conhecer-se (e não se iludir). Por outro lado, felicidade não  é sinônimo de irresponsabilidade: não é um estado de abandono das coisas cotidianas, mas uma harmonização (segundo o Aurélio, harmonia é a ‘disposição bem ordenada entre as partes de um todo’) dos elementos que compõem a vida: trabalho, convivência com os outros, os atos cotidianos (como alimentar-se por exemplo), paisagens, circunstâncias, o tempo: em tudo há inúmeros detalhes que merecem atenção, pois podem revelar pequenos prazeres (que sempre serão os melhores, porque são mais verdadeiros que os mais exaltados).
     Estamos perdendo os instantes, atropelando os dias e, de tempo e tempo, percebemos que a vida está indo ‘rápido demais’ (estamos tão preocupados em não perder tempo, que acabamos perdendo tempo). O antídoto pode ser não só a simplicidade, como a valorização de uma postura nova: a atenção nos detalhes (como nos sentidos: aromas, sabores, texturas, cores, sons), a gratidão, a cordialidade, o sorriso, a paciência, o carinho. Perceber um outro mundo que existe paralelo a este caótico em que vivemos. A vida é, acima de tudo, simples. As complicações são um fenômeno cultural humano. Então, seria bom compreendermos a simplicidade da vida. Note, por exemplo, que uma parte considerável (senão a maior) dos problemas é construída, mentalmente, por nós mesmos. Quem irá, em si, arar e fertilizar a terra da felicidade? Quem irá se dispor a um esforço tão inglório, tão pouco comum, tão pouco provável (ilógico, quase!) de fazer-se harmonioso?
Queríamos jamais impor, para que ninguém pudesse nos impor mais do que o respeito que todos merecem. Queríamos encontrar, dentro dos nossos olhos, a paz. Sabemos que ela está lá. Por vezes a vemos: vemo-la em nós. Sabemos que é difícil, mas queremos tentar. Erramos muito, mas queremos continuar tentando. Quem sabe não vamos conseguir? Há uma promessa antiga :Você pode tentar milhares de vezes: a porta sempre estará aberta, dizem os sufis.”
 (Gladston Mamede no Prefácio (“Nota dos autores) do livro Empresas Familiares: administração, sucessão e prevenção de conflitos entre os sócios, SP, Atlas, 2012).  

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